terça-feira, 26 de junho de 2012

AMANTES DO FOGO SECO - I

21H20. 25 de Junho de 2012. Praia da Cruz Quebrada. Estou deitada sobre a areia. Visto uns calções curtos, azuis e de ganga, e uma blusa preta. Calço uns ténis brancos, sem meias. A noite está quente. Escrevo, em um caderninho de capas pretas, os sinuosos caminhos da floresta agreste que desabrocham nestes olhos verdes, nestes lábios, finos e naturais, neste corpo de modelo aristrocático. Estas linhas de tinta fresca são um corrimão de pensamentos soltos que se entrelaçam com a memória lívida dos passos, leves e curtos, que descrevem a fluidez sintética de uma vida singular rasgada pelas folhas soltas de um plural anémico. Com estes dedos delgados, que tanto amaram, escrevo o braseiro em que se diluiu a arquitectura de um romance coalhado de sombras e de cinzas, na estética de um baloiço amante. Estes traços que componho, na surdez desta praia, são os vincos de uma frigidez que me assolam esta carne, fogosa e carente, com a timidez de palavras rústicas e com a fragilidade emocional com que rebusco cada cântico desta sonolência à flor da pele. A elegância da noite revela-me a pobreza do meu tempo e assusta-me, com a clareza do seu hábito, esta presença solitária no recanto de uma praia que é a fluidez dos meus afectos. Levanto-me, recolho os meus pensamentos, e encaminho-me para a Estação de Comboios. Não espero muito tempo. Entro e sento-me num lugar, resguardado pelo prazer do seu isolamento. No Cais do Sodré, apanho o autocarro 36 até à Avenida da República. Atravesso-a, entro na Avenida João Crisóstemo, e chego, a casa, conformada com os caprichos da solidão. Dispo-me, tomo um duche rápido e preparo uma refeição ligeira. Depois, sento-me no sofá e, sob os clarões sonoros de "Violator", dos Depeche Mode, escrevo no meu caderninho com a suavidade de uma brisa tranquila as imagens deste passado que germinaram em futuro.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, directamente, no blogue, no dia 26 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 18H28.
Corrigido e acrescentado, no dia 27 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 13H57 e as 14H33 e no dia 30 de Junho de 2012, às 13H56.